«Rua Garrett», dizem as esquinas,
mas que importa o que dizem os letreiros,
Chiado sempre moço das meninas,
dos ourives, dos chás e dos livreiros?
Chiado imenso que em dois palmos cabe,
pedacinho do mundo a palpitar...
Coração da cidade que nem sabe
do que é feito esse encanto singular.
Espelho de mil faces que reflecte
imagens duma raça em movimento...
Corpos vibrando em longo "tête-à-tête"...
Cabeleiras desfeitas pelo vento.
"Vitrine" em que os olhares das mulheres
tomam a forma incerta dum desejo...
De cada montra nascem mil prazeres...
Anda no ar a vibração dum beijo
Ali perto - canteiro da cidade -
A alma dos jardins, cativa, dorme.
Uma rosa desfaz-se em claridade...
Murcham avencas sob um cacto enorme...
Na montra dos brinquedos - um cartaz
para os olhos purinhos dos bebés -
Um palhaço com ar de Ferrabraz
faz as delícias dum menino inglês.
Nos ourives as jóias são punhais.
As pedrarias ferem como balas.
Há fluidos perturbante e sensuais
na morbidez perversa das opalas...
"Rua Garrett", dizem as esquinas,
mas que importa o que dizem os letreiros,
Chiado sempre moço da meninas,
dos ourives, dos chás e dos livreiros?
Fernanda de Castro
in, Lisboa com seus poetas. 1a ed. -Lisboa : Dom Quixote, 2000, p. 94