"Então, de repente, compreendi que é isso mesmo que eu quero: recriar à minha volta uma atmosfera «que já não se usa». Por isso, as minhas rosetas de croché, as flores de seda ou de cambraia que aprendi a fazer com a minha bisavó de quase noventa anos, quando eu tinha pouco mais de dez; por isso, os saquinhos de alfazema nas gavetas e as castanhas-da-índia nas algibeiras dos casacos, por causa das traças; por isso as minhas cadeiras Luís XVI com fundos e costas de cetim verde, bordados por mim a ponto-de-cruz; por isso, os boiões de porcelana antiga cheios de raminhos de lúcia-lima e de pétalas secas de rosas vermelhas que, quando os boiões se destapam, espalham um delicioso perfume na sala; por isso, finalmente, o chá de limão e as papas de linhaça, remédios que fazem talvez bem ao corpo, mas que fazem com certeza bem à alma porque exigem cuidados, paciência, atenção, remédios caseiros que a falta de tempo, o grande papão, vai inexoravelmente fazendo cair em desuso."
Fernanda de Castro
Ao Fim da Memória I
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