Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Yvette Farkou, Fernand Lèger e Constantin Brancusi |
"A propósito de Paris, lembro-me de que estive lá a primeira vez, já casada, com 23 anos, se não me engano, a convite dos nossos grandes amigos brasileiros Oswald de Andrade e sua mulher, Tarsila do Amaral, que conheceramos em São Paulo no ano anterior. (...) Ela e Oswald viviam uma vida de simpática boémia, de alegre camaradagem com artistas e escritores, sobretudo com músicos, pouco ou nada conhecidos ainda, mas que depressa iriam afirmar os seus nomes. O pequeno e heterogenio grupo a que logo nos associámos era assim constituído: Oswald e Tarsíla, Honegger, Erick Satie, Poulenc, Picabia, Paul Poiret, o intelectual da moda, o António e eu.
Como ele próprio nos disse, Oswald tivera uma pequena herança no Brasil, que no seu entender não chegava para nada a sério, resolvendo por isso gastá-la com Tarsila e os amigos, fazendo enquanto durasse «une bombe à tout casser» (sic).
Todos os dias, às 8 horas, nos encontrávamos em qualquer restaurante ou em qualquer «bistro», e cada um pagava o seu jantar. Depois era tudo por conta do Oswald, que metodicamente organizava os seus programas. (...)
Eu, que nessa altura gostava de me deitar cedo, começava, por volta da uma, a cabecear com sono, até que um dia Oswald se voltou para mim, furioso:
- Gasta a gente um dinheirão com esta mulher e o que ela quer, o que lhe dava mesmo gosto, era ir para a cama, para a caminha, com a chucha e o biberon!
Riram todos e eu mais do que ninguém porque era rigorosamente verdade: biberon e chucha à parte, o que na realide queria, à noite, era deitar-me para saborear Paris, não o Paris nocturno que nunca me interessou muito, mas o Paris diurno que eu andava a soletrar, a decorar pedra a pedra, bairro a bairro, o Paris das Tuileries e de Notre-Dame, do Sacré Coeur e do Bois de Boulogne, da Place Vendôme, do Palais Royal e do Quartier Latin, do Sena, das suas pontes e das suas péniches. (...)"
Fernanda de Castro
Ao Fim da Memória vol. I
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