segunda-feira, 26 de março de 2012

Distância

Distância

Não vás para tão longe!
Vem sentar-te
Aqui na chaise-longue, ao pé de mim...
Tenho o desejo doido de contar-te
Estas saudades que não tinham fim.


Não vás para tão longe;
Quero ver
Se ainda sabes olhar-me como d'antes,
E se nas tuas mãos acariciantes,
Inda existe o perfume de que eu gosto.


Não vás para tão longe!
Tenho medo
Do silêncio pesado d'esta sala...
Como soluça o vento no arvoredo!
E a tua voz, amor, como se cala!


Não vás para tão longe!
Antigamente,
Era sempre demais o curto espaço
Que havia entre nós dois...
Agora, um embaraço,
Hesitas e depois,
Com um gesto de tédio e de cansaço,
Achas inconveniente
O meu abraço.


Não vás para tão longe!
Fica. Inda é tão cedo!
O vento continua a fustigar
Os ramos sofredores do arvoredo,
E eu ponho-me a pensar
E tenho medo!


Não vás para tão longe!
Na sombra impenetrada,
Como se agita e se debate o vento!...
Paira nas velhas ruínas do convento


Que além se avista,
A alma melancólica d'um monge
Que a vida arremessou àquela crista...


Céu apagado, negro, pessimista,
E tu sempre mais longe!...

Fernanda de Castro

quarta-feira, 14 de março de 2012

A Velha

A Velha tinha uma saia
de remendos de vida remendada
e um lenço branco de cabelos brancos
na cabeça cansada.

A Velha tinha uma cara
de fomes e de penas amassada,
e um corpo todo aos nós de árvore seca,
de planta mal regada.

A Velha tinha um olhar
de estrela morta, de luz apagada,
e duas mãos de terra por lavrar,
de cortiça queimada.

A Velha tinha uma voz
de fio de água, de fonte calada,
e uma boca sem dentes e sem lábios,
de estátua mutilada.

A Velha tinha uma alma
de farrapos de vida alinhavada.
A Velha tinha uma alma
e não tinha mais nada.


Fernanda de Castro