quarta-feira, 29 de outubro de 2008

"A Sombra de um Salgueiro"

Fugi das chaminés.
do fumo, que era um denso nevoeiro.
e procurei, na beira dum regato.
a sombra de um salgueiro.

O silêncio, era música do céu;
o ar parado, absorto,
mas na água tranquila
vogava um peixe morto.

Fernanda de Castro, «Urgente» (1989)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Homenagem a Fernanda de Castro

Domingo, 19 de Outubro, às 15h00

70º Aniversário da Escola Fernanda de Castro, Parque Infantil das Necessidades - Tapada das Necessidades

Clique nas imagens para ver o programa.

"Primeira Hora"

O ano desfolhou-se, dia a dia,
como uma flor cortada, um girassol,
e dia a dia a sua voz calou-se
como velha cansada melodia
de velho rouxinol.

Ontem, à meia-noite, a minha rua
abriu de par em par as portas, as janelas,
e deitou fora o lixo, as coisas velhas:
cacos, farrapos, latas e panelas.

Era a Primeira Hora
do ano que chegava.
- E eu? - pensei - Que posso deitar fora?
Que poderemos todos deitar fora?

Ai, Senhor, tanta coisa!
Nem cacos, nem farrapos,
nem latas velhas nem trapos
mas tanta dor,
Senhor,
mal empregada!
Tantos gestos errados,
as pequenas traições,
os pequenos pecados.
As calúnias subtis,
as flores venenosas
da alma envenenada,
e a cicatriz
da culpa inconfessada,
e as palavras que ferem como gumes
de afiadas adagas.

Ressentimentos, azedumes
que Te fazem sangrar as Cinco Chagas.
As larvas dos ciúmes
e as cobras rastejantes
dos pensamentos impuros.
Egoísmos sem fim
e os altos muros
das torres de marfim.
Descrença,
indiferença,
despeitos recalcados,
amassados com ódio, com rancor,
e o amargo sabor
da solidão.

Ah, Senhor, nesta hora de perdão,
nesta Primeira Hora,
quantas coisas podemos deitar fora!

Fernanda de Castro, In "70 anos de Poesia",
Fund. Eng. António de Almeida, 1989, p. 311/2.

Poema tirado daqui

sábado, 20 de setembro de 2008

Dedicatória

À poesia que das penas me fez asas.

Fernanda de Castro, in A ilha da grande solidão (1962)

segunda-feira, 14 de julho de 2008

ao fim da memória

“Depois, como tenho feitio combativo, resolvi fazer frente à adversidade, desafiar a vida e dizer em silêncio mas com profunda convicção: Vou trabalhar, tenho de trabalhar, quero trabalhar.”

segunda-feira, 16 de junho de 2008

"Já nos confins da lembrança
o meu passado se esfuma,
como se tudo o que foi
não fosse coisa nenhuma."

Fernanda de Castro, in «Cartas para além do tempo» (da segunda carta a Virgínia Vitorino)

terça-feira, 3 de junho de 2008

Já não vivo, só penso

"Já não vivo, só penso. E o pensamento
é uma teia confusa, complicada,
uma renda subtil feita de nada:
de nuvens, de crepúsculos, de vento.

Tudo é silêncio. O arco-íris é cinzento,
e eu cada vez mais vaga, mais alheada.
Percorro o céu e a terra aqui sentada,
sem uma voz, um olhar, um movimento.

Terei morrido já sem o saber?
Seria bom mas não, não pode ser,
ainda me sinto presa por mil laços,

ainda sinto na pele o sol e a lua,
ouço a chuva cair na minha rua,
e a vida ainda me aperta nos seus braços."

Fernanda de Castro, «E eu saudosa, saudosa»

sábado, 10 de maio de 2008

Se tudo quanto existe

"Se tudo quanto existe
é lenta evolução,
longa transformação
sem Deus e sem mistério;
se tudo no Universo tem sentido
sem o sopro divino;
se o segredo da vida, a criação,
se explica pela ciência,
e a corrente vital
é também consequência;
se a humana consciência
é simples equação...
que significa a vocação do eterno,
que quer dizer a aspiração do Céu
e o terror do Inferno?

E se acaso é o instinto a lei da vida,
se a verdade
é só necessidade
inexorável, lenta, laboriosa,

que sábia explicação
tem esta frágil, esta inútil rosa?"

Fernanda de Castro «Asa no espaço», 1955

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Mais um dia perdido

"Há dias e que tudo é sem remédio,
em que tudo começa e acaba torto.
Uma folha caiu:
era um pásaro morto.

Neblina. Fim de tarde. Fim de Outono.
Nada nos fala, nos atrai, nos chama.
Choveu, parou a chuva,
ficou, porém, a lama.

Um banco no jardim. Árvores nuas,
um cisne velho, um tanque, água limosa,
nem a relva ficou,
quanto mais uma rosa.

Há barcos, há gaivotas sobre o rio,
e nas ruas há gente, há muitas casas.
Mais um dia perdido:
arrancaram-lhe as asas."

Fernanda de Castro, In «Urgente»

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Asa no Espaço

Poema de Fernanda de Castro, cantado por Rodrigo Félix da Costa

sábado, 29 de março de 2008

Difícil Alquimia

"Oitenta anos daqui a poucos dias.
Parece muito. É imenso, não é nada.
Ínfimo grão de pó no pó da estrada.
Raminho de Tristezas, de alegrias.

Crepusculares, doces alegrias.
Por vezes, dolorosa a caminhada,
mas sempre, após a noite, a madrugada.
Cantos de rouxinóis, de cotovias.

De tudo um pouco, assim é que é a vida
se a queremos inteira, bem vivida,
às vezes vendaval, outras bonança-

Bem e mal, noite e dia, riso e dor.
Difícil alquimia: espinho e flor,
mas sempre aberta a porta da esperança."

Fernanda de Castro in, Poesia II

Educação Sexual

"Tenho pena de ti, pobre criança.
Em nome da ciência,
quantos cruéis abusos de confiança!
Roubaram-te a inocência.

Sabes tudo o que havias de saber
a anos de distância.
quando já fosses homem ou mulher,
e sujaram-te a infância."

Fernanda de Castro in, Poesia II

Quando te dói a alma

"Quando estás descontente,
quando perdes a calma
e odeias toda a gente,
quando te dói a alma,

quando sentes, cruel,
o prazer da vingança,
quando um sabor a fel
te proíbe a esperança,

quando as larvas do tédio
te embotam os sentidos,
e o mal é sem remédio
e a ninguém dás ouvidos,

nega, recusa a dor,
abandona o deserto
das almas sem amor
e mergulha o olhar
em tudo o que está certo,
o mar, a fonte, a flor. "

Fernanda de Castro in, Poesia II

Urgente

"Urgente é construir serenamente
seja o que for, choupana ou catedral,
é trabalhar a peda, o barro, a cal,
é regressar às fontes, à nascente.

É não deixar perder-se uma semente,
é arrancar as urtigas do quintal,
é fazer duma rosa o roseiral,
sem perder tempo. Agora. Já. É urgente.

Urgente é respeitar o Amigo, o Irmão,
é perdoar, se alguém pede perdão,
é repartir o trigo do celeiro.

Urgente é respirar com alegria,
ouvir cantar a rola, a cotovia,
e plantar no pinhal mais um pinheiro. "


Fernanda de Castro, in Poesia II

segunda-feira, 17 de março de 2008

Asa no espaço

"Asa no espaço, vai pensamento!
Na noite azul, minha alma, flutua!
Quero voar no braços do vento,
quero vogar nos barcos da Lua!

Vai, minha alma, branco veleiro,
vai sem destino, a bússola tonta.
Por oceanos de novoeiro,
corre o impossível, de ponta a ponta.

Quebra a gaiola, pássaro louco!
Não mais fronteiras, foge de mim,
que a terra é curta, que o mar é pouco,
que tudo é perto, príncipio e fim.

Castelos fluidos, jardins de espuma,
ilhas de gelo, névoas, cristais,
palácios de ondas, terras de bruma,
asa, mais alto, mais alto, mais!"

Fernanda de Castro, Poesia II

sábado, 8 de março de 2008

Fernanda de Castro, sobre António Quadros no periodo da sua juventude:

Calado, tranquilo, sem fazer ondas, seguia serenamente o seu caminho, sem sobressaltos, mas de maneira eficiente e segura. (in Ao Fim da Memória)

quarta-feira, 5 de março de 2008

Fernanda de Castro, Natália Correia e Ary dos Santos (Restaurante Tipóia)
in, Lisboa Desaparecida / Marina Tavares Dias. - Lisboa : Quimera, 1994. - Vol. 4, p. 95
[Reprodução de fotografias do Século Ilustrado, 1971]

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Que verso incomparável, infinito,
feito de sol, de misterioso brilho,
poderia dizer o que, num grito,
diz a mulher quando lhe nasce um filho?